quinta-feira, 29 de março de 2012

COMO FUNCIONA A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO


COMO FUNCIONA A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO


A Justiça Militar, onde exerci o cargo de Juiz Titular por quase trinta anos, é diferente da Justiça Comum. O Juiz não julga sozinho. A cada três meses eu sorteava quatro oficiais da guarnição local (de Tenentes a Coronéis) para comporem juntamente comigo o Conselho Permanente de Justiça, destinado a julgar praças e civis nos crimes militares e contra a Segurança Nacional. Passados três meses era feito novo sorteio e a substituição dos oficiais. Nos crimes militares praticados por oficiais até a patente de Coronel eu fazia o sorteio do Conselho Especial de Justiça composto de outros quatro oficiais de patente ou antiguidade superiores à do acusado e eles ficariam funcionando somente naquele processo até a sentença final. Já quando era um crime contra a Lei de Segurança Nacional punido com pena de prisão perpétua ou pena de morte , eu oficiava ao Ministro da Força respectiva (Marinha, Exército ou Aeronáutica) para que ele indicasse os quatro oficiais que comporiam comigo o Conselho.
Embora os oficias não soubessem absolutamente nada de Direito por serem oficias de Cavalaria, Engenharia, Artilharia, Aviadores, etc. eles não atuavam como os jurados no Tribunal do Juri, onde o Juiz redige uns quesitos que deverão ser respondidos pelos jurados apenas sobre os fatos e, baseado nessas respostas, o juiz aplica o direito, inclusive fixando a pena se for caso de condenação. Na Justiça Militar o sistema é conhecido como escabinato e os votos dos oficiais têm o mesmo valor que o voto do juiz togado (eu). Assim, eu poderia votar absolvendo um acusado e os militares votarem pela condenação ou vice-versa e o resultado resultaria da maioria dos votos.
Normalmente, é claro que eles acompanhavam o voto do juiz togado, até porque não entendem nada de Direito, mas às vezes acontecia de votarem de forma diferente do que eu tinha decidido. Encontrei muitos oficiais sensatos, inteligentes e dedicados, mas também encontrei muitos que decidiam de uma forma porque queriam essa decisão, não importando o que dizia a lei.
Aí surgia um problema: embora eu tivesse votado de uma forma e o a maioria dos militares tivesse adotado uma decisão contrária, eles não sabiam como redigir uma sentença e cabia a mim fundamentar a decisão deles que eu considerava errada e depois fazer constar o meu voto vencido onde eu dizia porque eu achava certo tomar uma decisão diferente. Não é fácil você redigir uma sentença defendendo uma decisão que você considera errada!
Foram milhares de casos que eu julguei, não tenho a menor ideia de quantos, mas alguns eu guardei porque foram fora do comum. Para entender e se interessar por esse assunto, somente sendo bacharel e criminalista, mas se alguém se interessar, indico a seguir o link para a sentença mais absurda que eu tive que redigir em toda a minha carreira, bem como o meu voto vencido. É claro que eu escondi o nome do acusado, mas posso esclarecer que nunca esqueci este caso e interessei-me em saber qual teria sido o futuro de sua vida após o cumprimento da pena. Ele se formou na Universidade Federal de Viçosa, fez mestrado e a defesa de tese dele é impressionante. Lamento não poder indicar porque vocês saberiam o nome dele.

https://docs.google.com/file/d/0B4hNgpcad-GRYWU1OGRlYTgtNmZiZS00ZTVkLThmOTMtYjk4MzhiYmExYWI4/edit

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