quinta-feira, 29 de março de 2012

O JULGAMENTO DO MANUEL MALUCO


O JULGAMENTO DO MANUEL MALUCO

Esse foi um daqueles incidentes que acontecem na vida profissional e que marcam. A gente nunca mais esquece e sempre que se lembra, não consegue prender o riso.

Eu já estava aqui na auditoria a 4ª C.J.M. há alguns anos e o meu filho Rafael tinha um colega chamado Ricardo, garoto muito inteligente que mais tarde foi aprovado em primeiro lugar geral no vestibular da UFJF mas preferiu cursar o ITA e depois fez concurso para auditor do Banco Central e acho que depois ingressou no mercado financeiro.
O pai dele era um Major, mais conhecido pelo apelido de Manuel Maluco e você pode apostar o seu último tostão que ele sempre fazia jus a essa alcunha.

Nessa época, foi instaurado um IPM no DRS/4 (Depósito Regional de Subsistência da 4a. Região Militar) para apurar o desaparecimento de uns gêneros alimentícios e a venda de uns carrinhos de feira ao Mercado Belini porque fora desativada a cooperativa de compras dos militares.
Acontece que o promotor era o Dr. Joaquim Simeão de Faria Filho e ele resolveu denunciar todo mundo do DRS/4, independente de função ou cargo. foi um monte de denunciados, incluindo capitães, majores, e diversos coronéis, até alguns que já estavam na reserva nessa ocasião. E, para azar do Simeão, ele incluiu na denúncia o famigerado Manuel Maluco.
Eu era para ser o juiz do caso, mas me dei por impedido para funcionar no processo pela ligação de amizade que tinha com o Coronel Melchiades, um dos denunciados. O processo ficou para o Juiz substituto, Dr. José Holanda Carneiro.

O indigitado Manuel Maluco nunca perdoou o Simeão por te-lo incluído na denúncia, já que não tinha qualquer ligação com a seção onde as irregularidades teriam ocorrido e considerou essa atitude do promotor uma traição imperdoável, uma punhalada pelas costas, já que eles eram amigos. Por isso, não perdia ocasião para reverberar contra o Dr. Simeão e sua falta de caráter, ameaçando fazer e acontecer quando o encontrasse. E, tratando-se do Manuel Maluco, nenhuma hipótese poderia ser descartada.

Finalmente, numa fatídica tarde, Simeão está passando no calçadão da Rua Halfeld quando dá de cara com o apocalíptico Manuel Maluco, a paisana mas com o trabuco enfiado sob o cinto.
Imediatamente o Manuel Maluco vai em direção ao Simeão e esse, olhando em volta, não viu para onde correr e teve que esperar a chegada do furibundo réu. Manuel Maluco disse poucas e boas para o Simeão. Juntou gente para assistir e o Simeão lá, quietinho e encolhido esperando passar a procela. No final, Manuel Maluco sacou da arma e disse para o Simeão que com ela lhe daria um tiro na cara no dia do julgamento se o Simeão o chamasse de ladrão.

Depois que o Manuel Maluco foi embora, o Simeão foi procurar o General (depois de trocar as calças, eu suponho) e relatou tudo ao comandante da Região.
Resultado: Manuel Maluco pegou 30 dias de prisão disciplinar e saiu de lá mais furibundo do que nunca, doido para comer a orelha do Simeão.

E foi nesse clima que chegou o dia do julgamento !

A auditoria militar estava cheia de funcionários, advogados, estudantes, familiares. Ninguém estava ligando para as rebuscadas teses de direito penal que seriam levantadas pela acusação e pela defesa. Todo mundo estava se lixando para isso. A gente queria ver é se o Manuel Maluco ia mesmo dar um tiro na cara do Simeão !
Eu me sentei em uma cadeira especial colocada dentro do recinto do Conselho de Justiça e bem longe da cadeira do Simeão, que desde aquela época era a musa da Sabedoria quem presidia todas as minhas atitudes, é claro.
Começa a leitura das peças dos autos. Denúncia, depoimentos, perícias e exames, avaliações, relatórios, um saco !
Nada de começarem os debates, quando caberia ao Simeão, como promotor, falar em primeiro lugar. E os acusados ali, sentados nas cadeiras de réus e na primeira fila os coronéis e majores, entre os quais o Manuel Maluco. Será que ele estava armado ? Aquela protuberância no uniforme bem que poderia ser uma 45...

Terminada a leitura das peças, já era tarde e a sessão foi suspensa para almoço.
Decepção geral ! Muita gente nem saiu para almoçar, com medo de perder o lugar.
Na hora determinada, todos retomam seus lugares e a palavra é dada ao ilustre Dr. Simeão, honrado membro do Ministério Público Militar para fazer as suas alegações orais. O Simeão se levantou e a gente poderia ouvir um alfinete caindo na sala, tal o silêncio. Ninguém respirava.

O Simeão começou sua peroração dizendo que estava ali para cumprir um penoso dever de ofício, pois não estavam na sua frente marginais e bandidos e sim briosos oficiais que honravam e enalteciam as forças armadas brasileiras.
Todos eles portadores de uma fé-de-ofício comprovante de carreiras ilibadas, poderiam ser honrados com títulos e medalhas de mérito...
E prosseguiu assim durante uns cinco ou dez minutos.

De repente, o Manuel Maluco se levanta com estardalhaço, quase derrubando a cadeira onde estava sentado, assume a posição de sentido e bate os calcanhares.
Não preciso dizer que nessa hora o Simeão (e mais uns dez ou doze espectadores) se jogaram no chão e cobriram a cabeça com os braços.
Foi quando o Manuel Maluco, em voz firme e alta, pediu ao Presidente do Conselho de Justiça permissão para se retirar. O Presidente do Conselho, já ciente da expectativa geral de tragédia, na mesma hora concordou meio sem jeito.
O Simeão se levantou do chão enquanto o Manuel Maluco saiu do recinto batendo os pés com força e todos puderam ouvir o que ele dizia enquanto se retirava:

- EU NÃO VIM AQUI PARA SER ELOGIADO, EU VIM AQUI PARA SER ESCULHAMBADO!

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Não entendi o motivo da ofensa. O Simeão foi um grande amigo com o qual nunca tive qualquer problema. Nesta narrativa, a única pessoa estressada foi o Manoel Maluco.

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